11/08/2012

ae) À Noite

Unidos num espasmo de silêncio,
pé ante pé percorremos o segredo
da noite. Inertes imagens ao frio,
eis quem somos: pobres trementes de medo!
 
 
A brisa enche-nos os corpos de cio
e despe o inconsolável arvoredo…
Ósculos e folhas nadam no rio,
fazendo vibrar de anseio o lajedo.
 
 
A volúpia dilui-se no chão.
Um alternar de quimeras com prantos
despidos, promete-nos outras cenas…
 
 
Mas a dor esbarra na escuridão,
e as verdades desfazem-se em quebrantos
contra os valores das coisas obscenas.

21/10/2011

ad) Amizade [i]

..

Uma criança muito suja atira pedras a um cão. O cão
não foge. Esquiva-se e vem até junto da criança
para lhe lamber o rosto.

Há, depois, um abraço apertado, de compreensão e
de amizade. E lado a lado, com a mãozinha muito
suja no pescoço felpudo, lá vão, pela rua estreita,
em direcção ao sol.

António Salvado

...

ac) Amizade [ii]

..

Para um amigo tenho sempre um relógio
esquecido em qualquer fundo de algibeira.
Mas esse relógio não marca o tempo inútil.
São restos de tabaco e de ternura rápida.
É um arco-íris de sombra, quente e trémulo.
É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.

António Ramos Rosa

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27/03/2011

ab) Não-ser

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Entre ser e não ser
haverá que escolher?
A vida é só hesitar
entre correr e andar

Eu sei que não serei
(jamais) nem deus nem rei
Na terra hirto fico
só com ar sempre rico


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aa) Sono

..


Agora é que são elas
Deus está a dormir
Não há preces nem querelas
que ele possa ouvir
Está tudo doente
O próprio mundo
paira dormente
viaja infecundo


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04/12/2010

z) Escrita do Vento

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O vento escreve com nuvens
coisas que não entende por ventura
quem sabe ler
Em todo o lado
há vento e nuvens
Meu deus o que nos falta compreender


...

y) O Sopro da Criança

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Ser o sopro leve da criança
que leve o barco de papel
até outro porto da banheira

Esquecer o hálito solene da pobreza
a cachaça gargarejada com caretas e olhos fechados
a fumo de cigarros kentucky
a milagres de Santa Eufémia
como esquecer o medo de ir
ao dentista tirar um dente podre

Ser sopro ou brisa ou vento
capaz de roçar todos os lábios e seios e sexos
dar-lhes loucos orgasmos
estridentes gritos ao fim de tantos carinhos

Ser beijo irreverente num qualquer baile absurdo
em que bailarinos são borboletas e elas zângões

Ser propositadamente eu próprio
leve como um sopro de anteontem
fluindo para um rio futuro-lógico
imensamente água já que de água sou feito

Quando o sonho persegue a harmonia
cai da resma tão pacientemente empilhada

A progressão ego versus fama atropela a justiça

Aqui ao lado o outro moço
não tem banheira mas tem um tanque
e tem muito mais fôlego do que eu


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18/10/2010

x) "Ganhócio"

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Não era muito o material de que o senhor necessitava, alguns anéis, umas tampitas e pouco mais. Quando entrou no escritório da fábrica, confundiu o escriturário com o patrão,
O senhor não me conhece, conhece-me com certeza, perguntou e afirmou de uma só assentada, mas logo retrocedeu,
Ah, o senhor não é o patrão,
Não sou, não senhor, respondeu o escriturário,
Mas não faz mal, diga-me você o preço dos anéis e das tampas de metro e meio, mas para fazermos um negócio e não um ganhócio, e explicou,
No negócio todos os intervenientes beneficiam, no ganhócio só uma parte é que ganha, e concretizou,
Os nossos governantes são peritos em ganhócios, mas para a carteira deles.
Fizeram negócio, que o tempo dos ganhócios na indústria da construção civil é já longínquo, e o escriturário aprendeu no dicionário da experiência da vida o significado de uma nova palavra.
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24/07/2010

w) Traduzir-se

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Uma parte de mim
é todo o mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

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06/07/2010

v) O Sinal


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O transeunte passa pensativo, metido na sua vida, conversando apenas com os botões da modesta fatiota. A senhora do BMW topo de gama interpela-o,

O senhor é daqui?

E ele, em socorro da dama perdida, qual escuteiro em plena prática da Boa Acção diária, corresponde prontamente,

Não sou, mas conheço bem Viseu.

Continua a senhora, indicando um sentido que evidenciava um sinal de proibição de parar e estacionar, apesar de lá se encontrarem alguns veículos em transgressão,

Pode-se estacionar nesta rua?

O transeunte, perplexo, responde,

Se a polícia adrega a passar vai multá-los a todos!

E a senhora,

Ai vai?

Pela reacção e (mais) pelo semblante, o transeunte concluiu que a senhora preferira ter levado outra resposta, daquelas como levam, para que vão satisfeitos da vida, quem vai, com mau-olhado ou mal de amor, à consulta do bruxo.

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19/06/2010

u) Sem Título

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Jubilai soalhos dos reinos da hipocrisia!
Pois!, que uma areiazinha não mais se fincará nos sapatos dos bushs e dos berlusconis.


Nós, os feito falheiros, choremos!
Morreu José Saramago.


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15/05/2010

t) Alegoria do Fruto

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Na agricultura existe o fruto de primeira apanha, vistoso do trato e grado em tamanho, que, por qualidades atribuídas, embora não reveladas, toma, por lho darem, maior valor; e existe o de segunda apanha, refugo barato e de pequeno ganho, que, incorporado em outros produtos, por qualidades reveladas, embora não atribuídas, toma, também ele, grande valor, quando não é deixado no campo a apodrecer e ao deus dará.
Quais frutos de primeira e segunda apanhas, assim nos julgam os cérebros governantes deste, cada vez mais estranho, Portugal. A quando da visita de Bento XVI, os iluminados cérebros decidiram dividir os cidadãos portugueses em duas categorias: os cidadãos de primeira e os cidadãos de segunda. Aos primeiros (os de primeira), talvez pelas suas virtudes ou méritos, ou, mais provavelmente, pelas suas feições, ofereceu-lhes um dia feriado, corriqueiramente, uma balda; aos segundos (os de segunda), sabendo-os acostumados ao açaime e à canga, e, tomando-os por desfavorecidos de feições, ofereceu-lhes um dia ferido, de discriminação e sacrifício.
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04/05/2010

s) Chula da Livração

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Anda comigo
Vem ver a minha terra chão antigo
Este povo que canta livremente
A minha gente
Gente do Vira
Da Chula do Malhão e do Bailinho
Do Fandango do Fado e do Corridinho
E ninguém vira
Vem ver de novo
A malta que se agiganta
No trabalho quando luta e quando canta
O nosso povo
A voz que anima
O grito de quem trabalha
Os ferrinhos o adufe e a guitarra
A concertina
(Instrumental)
Do Sul ao Norte
Da Ilha da Madeira a Trás-os-Montes
Ouvi gente cantar com a mesma graça
A nossa raça
O nosso canto
É feito de alegrias e cansaço
É por isso que vos deixo o meu abraço
Em cada canto
Vem ver de novo
(...)
(Instrumental)
Ouvi esta canção na RR enquanto conduzia para o trabalho. Foi isto numa manhã de Segunda-feira, numa daquelas em que o que mais apetecia era ficar em casa. Mas o raça da canção trouxe magia a um dia que se revelava enfadonho. Dei por mim a cantar, acompanhando o Paco num dueto que a circunstância improvisou... e senti-me (deveras) feliz!
Senti também que esta letra é um hino ao nosso povo...
... Àquele que trabalha!
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26/04/2010

r) Cinco quilos de favas!!

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Um peregrino, a caminho de Fátima, pernoita na casa de uma viúva. A meio da noite, ela chama-o e mostra-se-lhe toda nua!

O peregrino, com medo de pecar, foge rapidamente de casa. Logo que a igreja abre vai confessar-se.

O padre diz-lhe então:
- Vai para casa meu filho e, para penitência, come cinco quilos de favas.
- Senhor padre, mas eu não sou nenhum cavalo!
- Mas és burro!!

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11/04/2010

q) Competição

..

"O Senhor Valéry não gostava de competir. Sobre qualquer competição ele dizia que do primeiro ao último lugar todas as classificações eram más. E interrogava-se: - Ganhar aos outros para quê? Perder com os outros porquê? - Prefiro ser vice-último ou sub-último - dizia ele, com ironia. E explicava: - Só existe justiça numa competição se todos partirem de condições iguais. Mas tal não existe, já se sabe. E se todos fossem iguais como poderia ficar um à frente de outro? Numa competição as pessoas acabam como começaram - concluía o Senhor Valéry. E o Senhor Valéry dizia ainda - O que eu gostava era de ver uma corrida de 100 metros onde cada pista terminasse num ponto diferente. Imaginem 4 pistas de 100 metros assim - (e ele desenhava)


- Deste modo - continuava o Senhor Valéry - ao terminar a competição, cada atleta perceberia melhor o que estava à sua espera no dia seguinte. (...)"

Gonçalo M. Tavares

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14/03/2010

p) Miopia

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O que faz falta é instrução!
Diz o doutor oftalmologista enquanto consulta a velhinha que não sabe ler e mal enxerga.
Discorda a paciente,
Instrução não basta senhor doutor, também é preciso educação!
E, ficando-se cada um com a sua razão, calaram-se.

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o) Que rumo??

..

Entre a terra e o céu
a lama deontológica das vocações
comprometeu
o normal funcionamento dos vulcões


Vem isto a propósito da acção do hoMem, enquanto ser inteligente, sobre a Natureza. E, também, das recentes catástrofes que assolaram Haiti, Chile e Madeira...

Os vulcões representam (simbolicamente) todas as forças da Natureza.
...

24/01/2010

n) Caminho

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Aos Escuteiros do 1236


Pé na estrada
sem receio do cansaço
Fé na passada
Esperança em cada passo

O que levas na mochila
é força e é coragem
hoMem de fé não vacila
não julga estreita a passagem

Em frente (sempre em frente)
pelo caminho
escuta quem te quer falar
Aos animais às plantas a toda a gente
dá-lhes carinho
e sente o que vais dar

Sempre a sorrir
contagia o mundo inteiro
Teu lema é SERVIR
Teu nome é ESCUTEIRO

Se Deus quiser
seremos uma só nação
unidos pelo bater
de um imenso coração

...

02/12/2009

m) Saudades

..

Falo de nuas
mãos cheias
como luas
Falo de areias
brancas e tuas


Falo de mares
sentado à mesa
E de jantares
com a beleza
de chegares

...

l) Em passeio...

..

(Na nascente do Mondego)


Apetece insultar a solidão
No Outono dos meus olhos
a serra está cada dia mais despida
Há fumo para as bandas da ilusão
como sinais entre os entreolhos
das folhas que mistificam a despedida


Alguém morreu aqui
Além morreu alguém
Ambos debaixo do mesmo céu
Belisco-me para sentir que nasci
e oiço-te perfeitamente mãe
Hoje o Outono é só meu

...

02/11/2009

k) Do Tempo...

..

Amanhã não será mais tarde
nem mais cedo do que hoje
teremos dado mais uma volta
em volta de um eixo imaginário

Não seremos mais velhos
nem mais novos
o nosso corpo será o mesmo
terão nascido umas células
aqui e além
e outras terão morrido

O nosso planeta estará sensivelmente
no mesmo espaço
no mesmo sítio
porém exactamente
no mesmo tempo

Tal como o concebemos
o tempo não existe
e por isso é mentira

O tempo é como Deus
é omni e é uno
e é espiritual e sagrado
é abstracto e é eterno
nós percorremo-lo numa viagem
num só momento
como uma linha recta
que une o nascimento e a morte

...

j) A Folha Cai

..


A folha cai
Os olhos descem companheiros
Quem vai vai ao que vai
como a folha cai
Outonos inteiros



...

22/10/2009

i) Ecos de 16 de Outubro

..

16 de Outubro assinalou o Dia Mundial da Alimentação.
Contudo, permitam-me observar, a palavra que logo me ocorreu foi: FOME!
E (já agora) a vós?
Permitam-me também lembrar, que em cada três segundos uma criança morre por falta de alimentos! E que, no lindo planeta Terra, mil e setecentas milhões de pessoas não têm o que comer!


Permitam-me por ora um desabafo (chamar-lhe-ei, "chama de deus"):


Tempo de sobras a mais
e no ventre
e cá fora
há uma criança que chora ou que morre

Tempo de fé Ainda
abundam os deuses fugazes
Tenazes porque seguram a chama
de um fogo limpo
ainda que extinto

Acredita-se no que não se vê
porque mais ciente que o cientista
é a expressão da retórica E em verdade
isso faz feliz quem nos ama
Por fim, permitam-me referir que voltarei ao tema...
...

18/09/2009

h) Sabão Azul

..

Diz ela, velhinha, entendida na arte da lavagem à mão,
O sabão, verde, não dura nada.
Vai o filho, mais entendedor de letras,
Mas o sabão é azul minha mãe!
E ela, sem perceber nada de vírgulas, pausadamente, vai,
Pois, mas o sabão, verde, gasta-se depressa!

...

12/09/2009

... Sombra

A sombra (do passado) é tanto mais extensa quanto mais próximos do horizonte nos encontrarmos. Subamos a pique no uso da inteligência e da interpretação filosófica, e sejamos o sol do meio-dia, aquele que mais ilumina!

... Alma

"E aqueles que por obras valerosas
se vão da lei da morte libertando..."
Luís de Camões
A Alma de um povo, por significação, é: a sua parte imortal (enquanto ser); mas também, a consciência; e em sentido mais religioso, o espírito. Um povo, como qualquer de nós, será imortal se realizar obra, de tal ordem relevante, que possa ser inscrita, qual lei, no código das leis do cosmos.

... Sangue

Corre nas nossas veias sangue de quantas tribos povoaram a Península. Os sucessivos processos de miscigenação proporcionaram-nos uma evolução cultural quase inigualável. Recuso a supremacia das raças, mas afirmo a riqueza da nossa interculturalidade.

... Sonho

Pelas palavras de Fernando Pessoa, quando “o homem sonha, a obra nasce”; e pelos dizeres de António Gedeão, “o sonho comanda a vida”; temos duas formas geniais de entender o Sonho!
Intrinsecamente, embora sem grandes certezas, atribui-se a capacidade de sonhar, estritamente, aos humanos. Pessoalmente, considero que essa capacidade é uma das mais sublimes maneiras de ser, pois, humano.
“Pelo sonho é que vamos”, dir-nos-á Sebastião da Gama. Foi precisamente pelo sonho que outro Sebastião, com honras de rei que era, afoito, mas mal aconselhado, foi perder-se nos areais da mal-amada África. E o sonho foi, dessa vez, pesadelo e humilhação, que a esperança e a saudade portuguesas transformaram em mito.
D. Manuel I cumpriu a última etapa do Grande Sonho Português. Não chegámos ao conhecimento do Prestes João, muito menos, soubemos a localização da fonte da eterna juventude, como, no entender de Zecharia Sitchin, seria objectivo das expedições marítimas, às quais, apesar de em todos os locais aportados existirem nativos, se convencionou chamar Descobrimentos; mas ultrapassámos as Tormentas e avistámos, finalmente, a Índia, feitos que, de tão notáveis, ninguém ousou depreciar-lhes o mérito. Onde este sonho teve começo é difícil dizê-lo. Quase certo, é que nele participaram todos os monarcas até D. Manuel I, mas mais afincadamente D. João II e os seus herdeiros (a Ínclita Geração), mormente o Infante, que investiu toda a sua vida no estudo da matemática, da astronomia, da geografia e outras mais ciências que contribuíram para o desenvolvimento da arte de navegar.

10/09/2009

... Braço

Todos somos Braços de Portugal. Prolongamentos de um vasto corpo social, como tentáculos de um Polvo que é sistema e é lei (ou deveria ser!). Uns mais musculados, muito pela força do trabalho; mais flexíveis outros, em parte pelo culto do exercício; e outros mais sensíveis, talvez pela genética ou pela cultura; mas todos, com peculiares características, constituímos os tecidos que, em movimento ininterrupto, a posteriori, organizam a acção (integral) do país.

22/08/2009

... Colo

Misto de seio e ventre, é no meio de ambos que, fisicamente, o colo se situa. Histórica e psicologicamente, o colo de Portugal é (haverá quem duvide?) feminino! Heróico. Lendário. Ciente. Aberto à necessidade das épocas e à emergência das horas. Sustentáculo principal da árvore familiar onde corre a seiva que faz brotar os ramos e orienta os povos - os valores: da educação, do trabalho, do amor, do compromisso, da tolerância.

13/08/2009

... Voz

É esta a Voz de Portugal! Politicamente visionária e estratégica, nos pergaminhos de D. Dinis: pela fundação da universidade que, para além do mais, formará os matemáticos que inventarão o Quadrante; e pela plantação de pinheirais como os de Leiria e da Azambuja de onde serraremos as tábuas para a construção das naus que nos levarão à Índia. Diversificada e universal, a palavra, com Fernando Pessoa, por dedicação (e dom) conhece a genialidade. Estoutro, José Saramago, apraz-nos conhecer-lhe a obra e (ainda) a vida e, assim, o jeito humanamente simples que tem de afrontar as injustiças. Gil Vicente, Luís de Camões, Padre António Vieira… Diferentes timbres, diversas afinações, consoante as épocas… conferem à Voz de Portugal a consistência dos Impérios.

04/08/2009

f) Playlist

É um programa de rádio com sonoplastia de João Félix Pereira. Passa de Segunda a Sexta-feira às 13h e 10m e é apresentado por Luísa Godinho. Diversíssimas personalidades partilharam já os seus gostos musicais com o (creio que) vasto auditório da TSF, contribuindo, cúmplice e prestimosamente, para a feitura de um dos mais encantadores programas da rádio portuguesa. Foi ouvindo-o que ocorreu ao autor deste blog compartilhar também a sua playlist. Ei-la:
“Com um brilhozinho nos olhos”,
de Sérgio Godinho;
“Bairro do oriente”,
de Rui Veloso;
“Viagens”,
de Pedro Abrunhosa e os Bandemónio;
“Ó gente da minha terra”,
de Mariza;
“Morena de Angola”,
de Chico Buarque;
“Menino do Rio”,
de Caetano Veloso;
“Romaria”,
da Elis Regina;
“Timor”,
dos Trovante;
“Povo que lavas no rio”
da Amália;
e “Trás outro amigo também”,
do Zeca Afonso.

Com as devidas explicações (que aqui não aparecerão) das razões que levaram à escolha destes autores e destas músicas, teríamos programa para, pelo menos, uma hora.
Porque se revelou um exercício deveras interessante, convido-vos a fazer também a vossa playlist.

28/07/2009

e) Desencadeado

..

Órgãos peter pan grandes
lezírias onde se apascenta
o gado mais pequenino

Vacas e bezerros mugem ladainhas
e desejos mas o caraças do Deus
da manada não destrói a cerca

Fala-se de liberdade
como se vai à missa
sem convicção

Lado a lado
liberdade e paz
da pomba branca

A cor do leite branco
branca é Ferro e cálcio
transfiguram-se emblemas

Até aos seis anos fui do sporting Mudei para
o benfica para ganhar um par de sapatos novos
que receberia de qualquer forma no natal


...

19/07/2009

d) Homenagem

Prestem-se homenagens aos que, efectivamente, o merecerem! Aos que agem adicionando valor ao círculo restrito que os abarca, porque, também assim, o fazem pela ampla comunidade que é o mundo.

Creiam, aqueles dois, que ali me esperam horas a fio, dias e dias sem fim, são dignos do merecimento que publicamente lhes acrescento.
Seus nomes, King e Robin; escritos nas páginas do livro da vida, que contém os nomes de todos os seres, pela mão da Mãe que tudo cria: a Natureza; nasceram, no pleno exercício da relativa autonomia do cérebro humano, da imaginação de duas (ou três?) mulheres. Foi, talvez, a célebre sensibilidade feminina ou, quiçá, o misterioso sexto sentido, que presidiu ao processo imaginativo, pois, sem o saberem, no acto do natural baptismo, previam os traços virtuosos da personalidade dos baptizandos.
A relativa autonomia do meu cérebro permite-me esta associação de ideias, como, aliás, me permite distinguir no olhar e no procedimento de ambos, as virtudes (assim lhes chamo, mas poderia chamar-lhes, valores) que orientam os Reis, com érre maiúsculo, e os Heróis que, anónimos, trabalham em prol da igualdade entre todos os seres. Assim, considero que a Natureza os dotou de irrepreensíveis capacidades: ao King, da de transmitir afecto e de ensinar a tolerância, ao Robin, da de demonstrar que tudo é possível quando há prontidão física e mental e alguma irreverência.

Esta homenagem é, pois, para todos os kings e todos os robins que por aí abundam. E, já agora, para todos os tarecos…



Tareco

Um olhar mítico de olhos místicos
sobre a lógica que não há
Esperança de cão
sob a folha da ditadura

A criança pequenita
escala os espaldares da liberdade
montada num cavalito
com orelhas de cão
focinho patas e rabo de cão
e com um olhar mítico
como têm os cavalitos com a forma de cão

Amizade e tolerância
símbolos de um deus canino
num Tareco de virtudes
realizador de sonhos e conquistador
de território quando transpõe a fasquia
entre a cozinha e o quintal

Amarelo vulgar
com invulgares sentimentos multicolores
Corre e corre espuma arfa
luta contra os rivais



Em uma manhã
parte em trote histérico
enfrentando uma agonia religiosa
em jeito de veneno anti-riso

Húmidos de sal
os olhos místicos da criança
despedem-se do cavalicoque
com olhar mítico
na presença do tempo perfeito

17/07/2009

c) Fé (Lei) dos (A)Normais

Às vezes invadem-se à socapa
os olhos mediévicos[1] dos dragões
extemporâneos[2]
da folha que ainda conta a lenda

Expandem-se gritos em surdina
na constância[3] de séculos de monstros
tão credíveis
quanto a crença o queira

O boato moderno é audiovisual
O sustento da fé mais fidedigno
O jornalismo
coerente com as fábulas bíblicas

Não há forma mais fértil que a fogueira
de julgar os Baltazares Saramago
e que a cinza
de adubar espíritos pobres e vítimas

O tempo não se compadece dos anormais
Bruxos ateus filósofos cientistas
queimem-se
para exemplo de como não ser herói


[1] Medievais;
[2] Inexistentes;
[3] Persistência.

10/07/2009

b) Da política...

O que por aqui se disser terá, evidentemente, sentido crítico, mas, analiticamente, apolítico.
Diz-se, com relativa frequência e tom irónico, que “a política é a arte de enganar”. E é-a, em verdade. Em Portugal abundam em demasia os factos que o comprovam.
Se revíssemos as diversas campanhas eleitorais que decorreram desde o 25 de Abril de 1974 e confrontássemos o rol de promessas anunciadas, por quantos estiveram no lugar da governação, com o das efectivamente cumpridas, creio que o registo, se exaustivo, daria uma tal bíblia, hiperbolizando mais com o número de páginas em si do que propriamente com a religiosidade dos actos, faria inveja a quaisquer de entre todas as religiões. Perante tal desrespeito e tão descarada violação das normas éticas de conduta, principalmente para com a nação, estranhamente, na nossa constituição persistem leis que permitem a continuidade em altos cargos, gozando de uma imunidade que mais parece impunidade, a alguns ilustres cidadãos. Se a justiça se diz cega num contexto de imparcialidade, não no são dessa feita as leis que a professam. Pois, consentem às mesmas dignidades que, fazendo uso dos meios de comunicação social públicos, por sua vez financiados por dinheiros públicos, consecutivamente, mandatos após mandatos, desvirtuem, com vis mentiras, a esperança do POVO que os elegeu.
Estranha forma de servir Portugal…

30/06/2009

a) Das touradas...

..

... de touros... Mas, que os olés sejam de reflexão para os homens.

A propósito de um artigo da autoria daquele por quem disse em tempos idos:

Na universidade da vida se forma
quem não se conforma
Se junge a si quem de si se aparta

A lei que julga cumprida
a dose a rasa o quinhão a norma
tanto a si se engana quanto descarta

e que, se tiverdes curiosidade, encontrareis em:
http://caderno.josesaramago.org,

Recupero um poema escrito em 1999:
Tourada
A pé a cavalo
a vida lida os homens
espeta-lhes no cachaço
curtos e compridos

Ferros e ferros sucedem ferros
Ferve sangue nas caldeiras de carne
gorgoleja humilhação nos ferimentos do medo
Risos olés Olés risos chalaças
do universo ensurdecedor
Prolixa plateia
para tão ínfima arena
Caídos que estão já
arrastados pelas bestas do inferno presente
enchem-se de paz inesperadamente
desatam a alma
e voam sobre o tempo
Da ausência fazem
uma dança desenfreada
infinitamente

Nas entrelinhas do (meu) pensamento alguma ligação entre o artigo e o poema se estabeleceu...


...