04/12/2010

z) Escrita do Vento

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O vento escreve com nuvens
coisas que não entende por ventura
quem sabe ler
Em todo o lado
há vento e nuvens
Meu deus o que nos falta compreender


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y) O Sopro da Criança

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Ser o sopro leve da criança
que leve o barco de papel
até outro porto da banheira

Esquecer o hálito solene da pobreza
a cachaça gargarejada com caretas e olhos fechados
a fumo de cigarros kentucky
a milagres de Santa Eufémia
como esquecer o medo de ir
ao dentista tirar um dente podre

Ser sopro ou brisa ou vento
capaz de roçar todos os lábios e seios e sexos
dar-lhes loucos orgasmos
estridentes gritos ao fim de tantos carinhos

Ser beijo irreverente num qualquer baile absurdo
em que bailarinos são borboletas e elas zângões

Ser propositadamente eu próprio
leve como um sopro de anteontem
fluindo para um rio futuro-lógico
imensamente água já que de água sou feito

Quando o sonho persegue a harmonia
cai da resma tão pacientemente empilhada

A progressão ego versus fama atropela a justiça

Aqui ao lado o outro moço
não tem banheira mas tem um tanque
e tem muito mais fôlego do que eu


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18/10/2010

x) "Ganhócio"

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Não era muito o material de que o senhor necessitava, alguns anéis, umas tampitas e pouco mais. Quando entrou no escritório da fábrica, confundiu o escriturário com o patrão,
O senhor não me conhece, conhece-me com certeza, perguntou e afirmou de uma só assentada, mas logo retrocedeu,
Ah, o senhor não é o patrão,
Não sou, não senhor, respondeu o escriturário,
Mas não faz mal, diga-me você o preço dos anéis e das tampas de metro e meio, mas para fazermos um negócio e não um ganhócio, e explicou,
No negócio todos os intervenientes beneficiam, no ganhócio só uma parte é que ganha, e concretizou,
Os nossos governantes são peritos em ganhócios, mas para a carteira deles.
Fizeram negócio, que o tempo dos ganhócios na indústria da construção civil é já longínquo, e o escriturário aprendeu no dicionário da experiência da vida o significado de uma nova palavra.
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24/07/2010

w) Traduzir-se

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Uma parte de mim
é todo o mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar

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06/07/2010

v) O Sinal


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O transeunte passa pensativo, metido na sua vida, conversando apenas com os botões da modesta fatiota. A senhora do BMW topo de gama interpela-o,

O senhor é daqui?

E ele, em socorro da dama perdida, qual escuteiro em plena prática da Boa Acção diária, corresponde prontamente,

Não sou, mas conheço bem Viseu.

Continua a senhora, indicando um sentido que evidenciava um sinal de proibição de parar e estacionar, apesar de lá se encontrarem alguns veículos em transgressão,

Pode-se estacionar nesta rua?

O transeunte, perplexo, responde,

Se a polícia adrega a passar vai multá-los a todos!

E a senhora,

Ai vai?

Pela reacção e (mais) pelo semblante, o transeunte concluiu que a senhora preferira ter levado outra resposta, daquelas como levam, para que vão satisfeitos da vida, quem vai, com mau-olhado ou mal de amor, à consulta do bruxo.

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19/06/2010

u) Sem Título

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Jubilai soalhos dos reinos da hipocrisia!
Pois!, que uma areiazinha não mais se fincará nos sapatos dos bushs e dos berlusconis.


Nós, os feito falheiros, choremos!
Morreu José Saramago.


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15/05/2010

t) Alegoria do Fruto

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Na agricultura existe o fruto de primeira apanha, vistoso do trato e grado em tamanho, que, por qualidades atribuídas, embora não reveladas, toma, por lho darem, maior valor; e existe o de segunda apanha, refugo barato e de pequeno ganho, que, incorporado em outros produtos, por qualidades reveladas, embora não atribuídas, toma, também ele, grande valor, quando não é deixado no campo a apodrecer e ao deus dará.
Quais frutos de primeira e segunda apanhas, assim nos julgam os cérebros governantes deste, cada vez mais estranho, Portugal. A quando da visita de Bento XVI, os iluminados cérebros decidiram dividir os cidadãos portugueses em duas categorias: os cidadãos de primeira e os cidadãos de segunda. Aos primeiros (os de primeira), talvez pelas suas virtudes ou méritos, ou, mais provavelmente, pelas suas feições, ofereceu-lhes um dia feriado, corriqueiramente, uma balda; aos segundos (os de segunda), sabendo-os acostumados ao açaime e à canga, e, tomando-os por desfavorecidos de feições, ofereceu-lhes um dia ferido, de discriminação e sacrifício.
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04/05/2010

s) Chula da Livração

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Anda comigo
Vem ver a minha terra chão antigo
Este povo que canta livremente
A minha gente
Gente do Vira
Da Chula do Malhão e do Bailinho
Do Fandango do Fado e do Corridinho
E ninguém vira
Vem ver de novo
A malta que se agiganta
No trabalho quando luta e quando canta
O nosso povo
A voz que anima
O grito de quem trabalha
Os ferrinhos o adufe e a guitarra
A concertina
(Instrumental)
Do Sul ao Norte
Da Ilha da Madeira a Trás-os-Montes
Ouvi gente cantar com a mesma graça
A nossa raça
O nosso canto
É feito de alegrias e cansaço
É por isso que vos deixo o meu abraço
Em cada canto
Vem ver de novo
(...)
(Instrumental)
Ouvi esta canção na RR enquanto conduzia para o trabalho. Foi isto numa manhã de Segunda-feira, numa daquelas em que o que mais apetecia era ficar em casa. Mas o raça da canção trouxe magia a um dia que se revelava enfadonho. Dei por mim a cantar, acompanhando o Paco num dueto que a circunstância improvisou... e senti-me (deveras) feliz!
Senti também que esta letra é um hino ao nosso povo...
... Àquele que trabalha!
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26/04/2010

r) Cinco quilos de favas!!

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Um peregrino, a caminho de Fátima, pernoita na casa de uma viúva. A meio da noite, ela chama-o e mostra-se-lhe toda nua!

O peregrino, com medo de pecar, foge rapidamente de casa. Logo que a igreja abre vai confessar-se.

O padre diz-lhe então:
- Vai para casa meu filho e, para penitência, come cinco quilos de favas.
- Senhor padre, mas eu não sou nenhum cavalo!
- Mas és burro!!

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11/04/2010

q) Competição

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"O Senhor Valéry não gostava de competir. Sobre qualquer competição ele dizia que do primeiro ao último lugar todas as classificações eram más. E interrogava-se: - Ganhar aos outros para quê? Perder com os outros porquê? - Prefiro ser vice-último ou sub-último - dizia ele, com ironia. E explicava: - Só existe justiça numa competição se todos partirem de condições iguais. Mas tal não existe, já se sabe. E se todos fossem iguais como poderia ficar um à frente de outro? Numa competição as pessoas acabam como começaram - concluía o Senhor Valéry. E o Senhor Valéry dizia ainda - O que eu gostava era de ver uma corrida de 100 metros onde cada pista terminasse num ponto diferente. Imaginem 4 pistas de 100 metros assim - (e ele desenhava)


- Deste modo - continuava o Senhor Valéry - ao terminar a competição, cada atleta perceberia melhor o que estava à sua espera no dia seguinte. (...)"

Gonçalo M. Tavares

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14/03/2010

p) Miopia

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O que faz falta é instrução!
Diz o doutor oftalmologista enquanto consulta a velhinha que não sabe ler e mal enxerga.
Discorda a paciente,
Instrução não basta senhor doutor, também é preciso educação!
E, ficando-se cada um com a sua razão, calaram-se.

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o) Que rumo??

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Entre a terra e o céu
a lama deontológica das vocações
comprometeu
o normal funcionamento dos vulcões


Vem isto a propósito da acção do hoMem, enquanto ser inteligente, sobre a Natureza. E, também, das recentes catástrofes que assolaram Haiti, Chile e Madeira...

Os vulcões representam (simbolicamente) todas as forças da Natureza.
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24/01/2010

n) Caminho

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Aos Escuteiros do 1236


Pé na estrada
sem receio do cansaço
Fé na passada
Esperança em cada passo

O que levas na mochila
é força e é coragem
hoMem de fé não vacila
não julga estreita a passagem

Em frente (sempre em frente)
pelo caminho
escuta quem te quer falar
Aos animais às plantas a toda a gente
dá-lhes carinho
e sente o que vais dar

Sempre a sorrir
contagia o mundo inteiro
Teu lema é SERVIR
Teu nome é ESCUTEIRO

Se Deus quiser
seremos uma só nação
unidos pelo bater
de um imenso coração

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